Audiência pública no Legislativo traz à tona debate sobre “Licença Adoção”

A Assembleia Legislativa do RN promoveu, na tarde desta quinta-feira (21), audiência pública com o tema “Licença Adoção”, durante a “X Semana Estadual de Adoção”, que antecede o seu dia nacional, comemorado em 25 de maio. O debate foi proposto pelo deputado Hermano Morais (PV), presidente da Frente Parlamentar da Criança e do Adolescente, e contou com a presença da parlamentar Cristiane Dantas (SDD), vice-presidente da Frente, além de autoridades de órgãos públicos ligados ao assunto e membros de grupos de apoio à causa.

Primeira da mesa dos trabalhos a se pronunciar, a psicóloga da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Natal, Ana Maux, destacou que o encontro era uma celebração.
“Estamos aqui para celebrar. Celebrar a garantia de direitos e pertencimento familiar para crianças e adolescentes. Celebrar o direito de ser importante e especial para alguém. O direito de ser filho, irmão, primo, sobrinho, neto, de ser o amor da vida de muitas pessoas. Celebrar o direito ao pertencimento familiar”, iniciou.

Segundo a profissional, “a adoção no Brasil possui uma complexidade tão grande, que em paralelo às questões aconchegantes e que nos enchem de encantamento existe também muito preconceito e discriminação”. 
“Então, devido ao atraso em relação a questões tão basilares é que gastamos um tempo precioso desse momento – que deveria ser de celebração – e pedimos aos poderes Legislativo e Executivo que possam se juntar à causa, não somente para cumprir suas funções principais, mas também para se somar aos que se engajam em insistir, persistir e resistir no debate sobre infância, adolescência e garantia de direitos”, acrescentou.

De acordo com a psicóloga, as crianças devem se sentir acolhidas, amadas e seguras, para que possam crescer seguras e confiantes em si e no mundo.
“Quando uma criança ou adolescente vive uma adoção, pode-se dizer que já houve na sua história pelo menos uma situação de perda. Ainda que um dos genitores os tenha entregue de forma espontânea, essa atitude geralmente é vista e sentida por esse jovem, do ponto de vista psicológico, como uma vivência de abandono. Por isso, cabe aos seus pais adotivos ressignificarem o mundo e garantirem que ele seja um lugar seguro, amoroso e no qual vale a pena estar”, explicou.
Ana Maux disse ainda que, para cumprir essa tarefa, os pais precisam “realmente” se dedicar ao ofício da parentalidade. 
“Vínculos precisam de tempo para se formar. O que conta não é apenas a disponibilidade amorosa, mas também a cronológica. É necessário um tempo vivido junto, não somente para criar memórias e registros emocionais, mas para conhecer e ser conhecido, para se tornar uma família. E aqui eu chego ao pedido central desta audiência: a Licença Adoção. Nós já sabemos que algumas mulheres se tornam mães sem precisar parir um filho”, ressaltou.

Citando o caso de uma servidora pública que teve o aumento do período de sua licença-maternidade negada por não ser a mãe biológica da criança, a psicóloga frisou que “se a licença-maternidade fosse para recuperação física após o parto, ela seria chamada de licença-médica”.

Para a profissional de Saúde Mental, a licença-maternidade implica um tempo para se reconhecer e ser reconhecida na função, para se adaptar a um novo papel na vida da mulher “e, principalmente, para criar vínculos no começo de uma função tão relevante, que é a de cuidar, proteger e apresentar o mundo ao novo morador que ali chega”.

Finalizando, ela contou, com alegria, que recentemente uma servidora pública adotante conseguiu o direito à licença-maternidade de 180 dias e, na decisão, foi recomendada a atualização do Estatuto dos Servidores Estaduais do RN.  
“Por isso, eu reforço o nosso pedido às autoridades aqui presentes e conto com esta Casa Legislativa para que a inclusão das mães adotantes na licença-maternidade do Estado realmente aconteça”, concluiu a psicóloga.

Na sequência, o juiz coordenador estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do RN, Dr. José Dantas, fez uma explanação sobre as situações jurídicas e sociais que enfrenta na sua rotina de trabalho.

“No início desta luta, nós pensávamos que as campanhas de conscientização seriam suficientes para vencer todas as etapas, mas infelizmente elas não são. Há muitos desafios encarados pelas crianças, adolescentes, pretendentes à adoção e Poder Público. E a nossa missão, enquanto juízes, na promoção do direito à convivência familiar e comunitária, também é muito complicada. Muitas vezes, manter uma criança na sua família natural não é fácil. E, quando se percebe a necessidade de retirá-la desse seio familiar e entregá-la, mediante adoção, a uma outra família, isso também envolve muitas dificuldades. Encontrar uma família que, de fato, seja uma resposta positiva para aquela criança é sempre uma preocupação para nós”, revelou o magistrado. 

A respeito da “X Semana Estadual de Adoção”, o juiz falou que já há muito o que se comemorar, mas também há muito ainda por fazer.
“A semana de adoção tem se provado um meio eficaz para se encontrar a família mais adequada para nossas crianças. Portanto, nós sabemos que estamos no caminho certo e iremos continuar trabalhando para garantir os direitos de mais e mais crianças e adolescentes potiguares”, enfatizou.

Ao final da sua fala, o juiz José Dantas apresentou dados estatísticos acerca das adoções no Estado, de 2019 até 2023. 

“Em 2019, nós julgamos 34 processos de adoção aqui no Rio Grande do Norte; em 2020, foram 38 julgamentos. Em 2021, concretizamos os sonhos de 37 crianças e seus novos familiares. Em 2022, foram 32 adoções. E, em 2023, já saltamos para 60 processos de adoção. Ou seja, nesse pequeno período, nós tivemos um total de 220 adoções. É um número bastante considerável e que é resultado do trabalho não apenas do Judiciário, mas de toda a sociedade”, finalizou.

Segundo o defensor público da Infância e da Juventude de Natal, José Alberto Silva, a instituição que representa, apesar de ser “jovem”, tem se dedicado muito à questão da Infância e da Juventude.

“E essa área não abrange apenas a adoção, mas também o acolhimento, a destituição do poder de família e os atos infracionais de adolescentes, por exemplo”, complementou.

A respeito do tema da adoção, o defensor disse que é muito importante que toda a população se volte para a questão, “pois ela mexe muito com a sensibilidade humana. Existe uma frase famosa que diz: ‘adoção é um ato de amor’. Ela é muito verdadeira. Para cuidar de alguém e trazer para dentro da sua casa, é preciso ter amor, estar disposto a cuidar do outro”. 

Definindo-se “muito feliz” por ver o auditório cheio de pessoas que apoiam a causa, José Alberto falou ainda que o momento em torno da adoção no Estado é “maravilhoso”.

“Nós estamos passando por muitas mudanças positivas, com iniciativas legislativas, em Natal, em Parnamirim e em outras comarcas, com a intenção de acabar com o preconceito de uma vez por todas. Além disso, tem a discussão sobre a licença, que é essencial. A convivência com o filho que chega é fundamental para a criação do vínculo familiar. E as pessoas que adotam as nossas crianças e adolescentes – muitas vezes negligenciados – fazem a diferença na nossa sociedade. Por tudo isso, elas merecem o nosso respeito e ter os seus direitos garantidos”, concluiu.

Em seguida, Carmen Cavalcante, psicóloga da equipe técnica da Promotoria da Infância de Parnamirim, começou seu discurso destacando a relevância do tema para a sociedade potiguar.

“Hoje eu estou aqui para falar desse que é um tema importantíssimo na nossa sociedade, não apenas porque trata do acolhimento de crianças, mas porque é necessário falar sobre o acolhimento de qualidade. Quando se trata dos direitos de crianças e adolescentes, as ações não podem ser feitas de qualquer forma. É preciso dar dignidade e promover direitos que já lhes foram negados. Nós sabemos que crianças que chegam para um processo de adoção, em sua maioria, já possuem histórico de violência, negligência e muitas outras situações difíceis. Por isso é preciso ter o máximo de cuidado”, frisou.

Segundo a profissional, a presente audiência trata do direito das crianças e adolescentes de terem uma família, de serem filhos de alguém; do direito a um abraço, de conviver e pertencer a um grupo familiar; do direito deles terem um tempo de qualidade e necessário para o estabelecimento de um vínculo. “E esse tempo é cronológico, sim”, garantiu.     

“E esse tempo, aqui no Rio Grande do Norte, precisa ser questionado. A nossa legislação está desatualizada. Enquanto a servidora gestante tem direito a 120 ou 180 dias de licença-maternidade, a mãe ou pai por adoção tem direito a apenas 90 dias, se a criança tiver menos de um ano; caso a criança ou adolescente tenha mais de um ano, a licença é de 30 dias, somente. Portanto, é de extrema importância que a gente possa rever essa questão”, contestou, acrescentando que é cientificamente comprovado que o vínculo afetivo é uma construção social, sendo formado independente de relação consanguínea entre as pessoas. “Por isso, não se justifica o tempo maior da licença quando a criança nasce da barriga da mãe”, argumentou.

Vice-presidente do “Projeto Acalanto Natal”, Francisco Cláudio iniciou seu pronunciamento contando que a primeira vez que ele entrou com um processo de Licença Adoção foi em 2004. 
“Já se passaram vinte anos, e a lei continua ultrapassada”, afirmou. Para ele, o primeiro ponto a se destacar é que “todos nós somos responsáveis por esse problema”. 

“Os entes públicos não conseguem resolver sozinhos; é preciso que toda a sociedade se una em prol dessa causa. Nós temos um movimento social aqui no Brasil que é totalmente diferente do que acontece em qualquer outro país, que são os grupos de apoio à adoção. E eles são muito importantes dentro da nossa sociedade. É um trabalho que começou, no Brasil, na década de 1980, e aqui em Natal teve início em 1999, com o surgimento da ANGAAD (Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção)”, detalhou.

Finalizando sua fala, Francisco Cláudio ressaltou que “no direito da Infância e da Juventude, é preciso ver sempre o que é melhor para as crianças e adolescentes. E a Licença Adoção não é um direito da mãe de se afastar do trabalho, mas é um o direito ‘da criança’ de usufruir da companhia dos pais durante o processo de adoção, principalmente no estágio de convivência”, concluiu.

A presidente da Comissão de Infância da OAB/RN, Sâmoa Martins, contou que a necessidade de expansão do tempo da Licença Adoção é algo que ela presencia no seu dia a dia de trabalho, como advogada.

“A gente precisa lembrar que os adotantes já rompem o preconceito inicial da adoção. Aí depois eles têm que lidar com processo de habilitação e de vinculação, para só depois chegar o momento em que a criança pode ir para casa. E, na maioria das vezes, ainda não foi concedida a guarda provisória. Daí surge mais uma dificuldade para essa mulher, que precisa trabalhar e não tem com quem deixar seu filho, porque não conseguiu o benefício da licença-maternidade. No final do processo, ainda precisa haver um estudo psicossocial e, por fim, o parecer do Ministério Público. Portanto, leva-se um tempo para concluir esse benefício, que na maioria das vezes é negado ou concedido por um período muito curto. E, para piorar, casais homoafetivos do sexo masculino não são contemplados. É sempre uma luta que travamos no dia a dia, porque infelizmente o preconceito ainda é real. Mas nós buscamos sempre, com muita luta, garantir esse direito e a dignidade para essas crianças”, concluiu.

Ao final da audiência, o deputado Hermano Morais agradeceu a todos os presentes e enalteceu o trabalho das instituições públicas e privadas que apoiam a adoção. 

“Eu ouvi aqui os depoimentos dos inscritos, que deram seu testemunho vivo, seja em nome de instituições, seja de forma pessoal. E foi cada um mais interessante do que o outro. Cada um deu um grande exemplo a todos nós enquanto sociedade”, disse o parlamentar.

Hermano lembrou que a orfandade no Brasil cresceu muito nos últimos anos, principalmente devido à pandemia e a algumas formas de violência. 

“Ainda existe muita subnotificação. Há muito mais gente precisando de família, que é um direito não apenas constitucional, mas também humano, elementar. E é isso que nos reúne aqui hoje. Já evoluímos um pouco. Fiquei muito feliz em saber que o número de adoções aumentou 47% de 2022 para 2023. Isso significa que a sociedade potiguar está se tornando mais sensível à causa. Mas é necessário fazer ainda mais, pois ainda estamos atrasados em alguns pontos”, alertou.

A respeito da questão dos servidores públicos, o deputado informou que já foi encaminhado um requerimento ao Governo do Estado, “a fim de garantir esse direito a todos, sem discriminação, pois os arranjos familiares no nosso Estado já são diversos e garantem educação e direito familiar a muitas crianças”. 

“Nós já temos decisões do STF que trazem uma esperança maior para que possamos garantir essa condição a qualquer família; às pessoas que resolvem, com um gesto supremo de amor, dar uma vida mais digna às nossas crianças e adolescentes. Portanto, muito obrigado a todos por terem comparecido. Estamos juntos nesta luta!”, concluiu Hermano Morais.

Finalizando a audiência pública, a deputada Cristiane Dantas citou, como encaminhamento, a necessidade de uma reunião com a parte jurídica do Gabinete Civil do Governo do Estado, com o objetivo de expor a necessidade da Licença Adoção. 

“Essa questão precisa chegar até a governadora, para que ela acate a alteração no Estatuto dos Servidores Públicos do RN e contemple a inclusão das adotantes na licença-maternidade”, finalizou.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo

Bloqueador de anúncios detectado

A publicidade é uma fonte importante de financiamento do nosso conteúdo. Para continuar navegando, por favor desabilite seu bloqueador de anúncios.